COM OS MEUS OLHOS DE CÃO

forma um triangulo único com "A Obscena Senhora D" e "O caderno rosa de Lori Lamby", as obras em prosa que lhe são imediatamente anterior e posterior. Neste triangulo, a novela é o vértice a demonstrar que não há solução de continuidade entre a obra dita "séria" da Hilda Hilst e a sua obra dita "pornográfica" ou obscena. Ela evidencia o fato de que a obra obscena significa o enfrentamento direto das questões decisivas de toda a sua obra anterior e que, portanto, está longe de ser um simples estratagema comercial para atrair a atenção sobre a sua supostamente séria, como tanto se repetiu com base no que, por vezes, chegou a afirmar em vida própria autora. A rigor, reconta "A Obscena Senhora D", mas amplifica-a num ponto: a intensidade epifânica na origem da busca de Deus reduz a existência não apenas ao básico, mas ao baixo. Amós Kéres, protagonista da novela, tem apenas duas opções de busca que, em comum, justamente definem o obsceno: o deboche, isto é, a mais pura abjeção e afronta dos costumes, e o abandono e o despojamento pessoal de tudo, isto é, a entrega à vida experimentada como pura vivência animal, sem qualidades. Respectivamente, as opções se traduzem, no livro que ora se vai ler, pela vida no bordel ou no quintal com os animais.