O MISTÉRIO CAMPANELLA

Na vida de Campanella (1568-1639), a realidade ultrapassa constantemente a ficção. Ele foi um autêntico personagem de romance, e o historiador não precisa acrescentar qualquer detalhe para revelar um percurso feito de independência inconstante, suspeitas recorrentes, aventuras dramáticas, prisões e torturas, reviravoltas surpreendentes e desfechos imprevistos. Filho de um calabrês analfabeto, ele se tornou um filósofo de renome internacional e autor de uma extensa (e rica) obra, cuja maior parte foi redigida graças à sua prodigiosa memória, no decorrer de 30 anos de prisão. Campanella deveria ter sido condenado à morte como herege reincidente, porém, submetido a uma tortura de aproximadamente 40 horas, fingiu estar louco e escapou da pena capital. Tal personagem, autor ao mesmo tempo de La Cité du soleil e de uma Apologie de Galilée, profeta milenarista e inimigo de Aristóteles e de Maquiavel, constitui um enigma, sobretudo ao se levar em conta suas inconstâncias – mais ou menos sinceras – e as zonas sombrias que permanecem a seu respeito. Quem era ele realmente? Qual era o fundamento de seu pensamento? Que dossiê representa, para os historiadores, essa grande figura da história cultural italiana – e ocidental – ainda pouco conhecida fora das fronteiras da península! Professor honorário da Collége de France, membro do Institut, Jean Delumeau é o historiador mundialmente conhecido das mentalidades e da religião do fim da Idade Média até a Revolução. Suas obras, especialmente La Peur en Occident, Le Péché et la Peur, Une Histoire du Paradis (três volumes), entre outras, tiveram um enorme sucesso. Nesta obra, Delumeau apresenta os mistérios da vida de Campanella, um dos maiores filósofos e ativistas que a humanidade já conheceu. Basta ver que, das celas em que viveu por três décadas seguidas, Campanella enviou, com uma altivez surpreendente, cartas e mais cartas aos papas, aos cardeais influentes, aos soberanos da Espanha, aos arquiduques austríacos e também a Galileu. Reputado por seu conhecimento das estrelas, tornou-se, após sua libertação das prisões napolitanas, o astrólogo secreto de Urbano III, a quem um horóscopo anunciava uma morte próxima. O papa, no entanto, limitado pela conjuntura religiosa da época, não pôde manter seu apoio a ele e favoreceu sua fuga. Campanella foi então enviado à França, onde foi, durante os últimos anos de sua vida, um conselheiro de Richelieu sobre as questões italianas. A última intervenção pública de Campanella, a pedido de Ana da Áustria e de Richelieu, foi o estabelecimento do horóscopo do delfim que tinha acabado de nascer, o futuro Luís XIV.