À QUEIMA ROUPA

"Tinha sido, ela percebeu depois, um teste das suas capacidades. Mas era, ao mesmo tempo, simplesmente um assassinato. A morte premeditada de um alvo chamado Oksana Zurkowska. Conforme ela contava sua história, eu pude imaginar os detalhes que ela estava omitindo. E fui preenchendo estes espaços vagos, com sua textura e cor, seu som e cheiro. Eu podia visualizar o banheiro, absolutamente corriqueiro, sentir o vapor dos chuveiros, ouvir o pingar da água nos ladrilhos cinzas do chão. Os espelhos esfumaçados, placas de metal polido em vez de vidros laminados com prata. As pias de porcelana ao longo da parede, manchadas com a ferrugem trazida pelos encanamentos. O cheiro, uma mistura de alvejantes, bolor e sabonete, desprendendo-se das paredes e do teto, e a condensação rolando em bolhas no chão, escorrendo para o ralo, no meio do banheiro. Ela me disse que era um dia claro e ensolarado mas, por alguma razão, tudo o que eu podia imaginar era uma sombra que se derramava indiferentemente pelo chão, vinda de janelas trancadas com travas, que nunca se abriam para o exterior. Eu concebo toda a cena no inverno, um inverno opressivo e irritantemente gelado mas, até onde posso me lembrar, era primavera. As divisórias não tinham portas, então ela se escondeu na mais distante da entrada e subiu na privada, apoiando um pé em cada lado do assento. Não importava que não estivesse totalmente escondida. Oksana, ela sabia, usava sempre a pia mais próxima da entrada. Se estivesse ocupada, Oksana esperaria. Ela gostava daquela pia; tinha a melhor pressão de água de todo o edifício."