SE ESSA RUA FOSSE MINHA

´Não, São Paulo certamente não é a "multicolorida massa de casas", nem a "bela visão de sonho" que Fernando Pessoa enxergava em Lisboa. Nada disso. São Paulo é dura, cinzenta, impenetrável e inóspita. Ou melhor, aquela "pobre menina rica" que a poesia criou. Melhor ainda, pobre para muitos, rica para poucos. Mas, nem por isso tudo, menos adorável. São Paulo, que só não tornou a capital política do País, merece o registro dos seus nomes ilustres, a escritura de suas raras alegrias e constantes aflições. Merece, em suam, os carinhos da História, que tem esse mágico poder de tornar menos sofridos os sofrimentos, e mais extraordinário e ordinário. Foi a essa empreitada que a economista e mestre em Comunicação Social Cacilda Decoussau Affonso Ferreira se lançou a escrever este livro, resultado de suas pesquisas e transmitidas diariamente no formato de crônicas em seu programa da Rádio Eldorado, de São Paulo. Cacilda esquadrinhou ruas, percorreu avenidas, visitou praças, transitou por museus e monumentos. Tudo isso com muito amor, seriedade e charme. Fiel àquilo que do passador resgatou, respeitou a verdade sem criar heróis ou santas. Assim, transmite a seus contemporâneos da Paulistânia exatamente aquilo que apurou. Mas nem por isso mostrou-se gélida ou uma maçante e abúlica repetidora do que encontrou nas bibliotecas e nos arquivos oficiais. Tal e qual nas suas alocuções radiofônicas, a autora impregnou seu texto da boa paixão que tem de sobra e é requisito básico da atração intelectual. Este não é, nem pretende ser, mais um guia de ruas, tampouco um repertório apressado para que o visitante esperto possa surpreender o atônito anfitrião com inesperadas exibições de cultura.. Muito menos um tratado historiográfico repleto de trilhas indígenas, fortes quinhentistas ou igrejas barrocas. O livro é denso mas ao mesmo tempo de leitura leve e agradável, um excelente entretenimento para qualquer hora do dia. Se, apesar do meu horror às definições, fosse obrigado a definir o trabalho de Cacilda, diria que é uma "troca de olhares" entre a autora e a cidade. Uma olhou para a outra e, graças a isso, aproximaram-se, da mesma forma que, unidas, ambas agora se aproximam do leitor, fazendo com que todos - especialmente a História - saiam ganhando!´ Manuel Alceu Affonso Ferreira