INFORTÚNIOS TRÁGICOS DA CONSTANTE FLORINDA

, de Gaspar Pires de Rebelo, foi publicado pela primeira vez em 1625 e teve grande popularidade em sua época e mesmo no século seguinte. Trata-se de uma obra ficcional em que elementos das epopéias em prosa grega da Antigüidade e bizantina se misturam com elementos das novelas de cavalaria ibéricas. Infortúnios conta a história de uma donzela separada de seu amado que vagueia solitária pelo mundo travestida de homem porque não deseja se casar com nenhum outro. Este tema pode ser encontrado em verso e prosa desde a Antigüidade. Mas, à diferença de suas congêneres, a história da constante Florinda surpreende pela total ausência de esperança por parte da protagonista em reencontrar seu amado e pela aparente falta de sentido de sua peregrinação, já que no texto não há qualquer Roma ou refúgio para onde ela se dirija. Em plena Contra-Reforma, poucas obras souberam pôr de modo tão pleno o deleite a serviço do escarmento. Paralelamente à peregrinação de Florinda, a obra narra diversos episódios envolvendo personagens em situações de infortúnio, de desventuras que contradizem a fortuna, e que só vêm confirmar a constância de Florinda como sua virtude principal. Dessa perspectiva, a obra atualiza Sêneca, particularmente seu livro De constantia sapientis (ou Sobre a constância do sábio), na qual mostra-se que o sábio é aquele que está isento do domínio da Fortuna, dominando-a, inversamente. Mas, deve-se notar, aquela constância e firmeza dos protagonistas das epopéias em prosa gregas, ao serem lidas pelos escritores ocidentais dos séculos XVI e XVII, recebem uma fundamentação teológica, de modo a servirem de exemplum a leitores cristãos, característica central do neo-estoicismo do século XVII. Ser constante, portanto, é uma demonstração de sabedoria fundada numa razão fiel e piedosa, ou seja, conhecedora dos princípios ? Deus ? e dos fins ? o Juízo Final ? sendo por isso a principal virtude e epíteto de Florinda.