SOMOS TODOS DESATENTOS O TDA/H E A CONSTRUÇÃO DE BIOIDENTIDADES

O bom trabalho acadêmico apresenta três características: rigor teórico, relevância cultural e escrita acessível. Todas estão presentes neste estudo de Rossano Cabral Lima. O autor toma como objeto de investigação o transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, o TODA/H. A partir dos anos 90, sobretudo, esta entidade clínica começou a gozar de um enorme prestígio nos meios médicos e leigos. Rossano pergunta qual a razão de tal sucesso científico e social. A seu ver, a explosão de diagnósticos do transtorno deve-se menos a eficácia dos tratamentos e a confiabilidade dos diagnósticos do que a mudança nos padrões culturais de formação das subjetividades. Em outras palavras, os indivíduos, provados de suportes tradicionais como a moralidade do trabalho e da família, buscam uma nova refiliação na comunidade do corpo e da saúde. Como disse, Lucien Sfez, um dos autores debatidos no livro, o mito da ?saúde perfeita? tornou-se uma das poucas utopias em um mundo, cujos horizontes éticos, políticos e espirituais se mostram nublados. Rossano evita o tom militante e ideológico que poderia prejudicar a abordagem do assunto. Não se trata de negar que existam crianças ou adultos hiperativos e com distúrbios de atenção, assim como não se trata de investir contra a psiquiatria biológica e os progressos da psicofarmacologia. Trata-se de entender quais motivos levam-nos a liberar comportamentos humanos dos imperativos morais, religiosos ou sentimentais, para entregá-los às disfunções dos circuitos neuronais ou das determinações genéticas. Ou seja, seu interesse é o de, à la Robert Lenoble, observar quais ?oratórios estão por trás dos novos laboratórios?. O empreendimento é bem sucedido. Ganhamos todos, leigos e especialistas, com a leitura do livro. Ele nos ajuda a desfazer a ilusão que estamos sempre prestes a encampar, qual seja, a de nos desonerar das tarefas éticas que nos incumbe realizar, para delegá-las ao que independe de nossos desejos, vontades e ações.