RIGORISMO MORAL E HUMOR POPULAR

O livro de frei Bernardino é uma obra de mestre. A compreensão profunda que demonstra da doutrina moral da Igreja, libertada dos esquemas acadêmicos e plenamente inculturada na mentalidade e na linguagem populares, torna-a um modelo de uma visão renovada da moral, tal como deve ser vivida e, por conseguinte, como deveria ser ensinada. Holandês, vai buscar em Erasmo de Roterdã, o famoso mestre holandês do tempo da Reforma Protestante, que percebeu com nitidez a distância entre o clero e o povo, um referencial para reivindicar, em nome do povo, uma nova forma de pensar a moral, ou seja, a maneira cristã de viver e agir. Na raiz do agir cristão está, não uma lei, mas uma pessoa, Jesus, que quer ser amado com tudo que há de verdadeiro no coração humano, manifestado nas formas como o povo o entende. Valorizam-se assim, como referenciais do agir moral, por um lado, a tradição cristã, consolidada na religiosidade popular, para a qual Bento XVI chamou a atenção dos fiéis latino-americanos na V Conferência do CELAM, em Aparecida. Por outro, o primado da consciência, que sobrepuja a obrigação de que se reclamam as leis e os códigos morais, visto que é da consciência que decorre imediatamente a retidão do agir humano. Temos a obrigação de formá-la, sem esquecer, porém, que seu desenvolvimento está sujeito a todas as contingências do tempo e do meio cultural em que vivemos. Uma moral limitada ao enunciado racional e à análise das leis a que se deve obedecer é uma escravidão de que Jesus veio justamente nos libertar. O senso moral do povo, que freqüentemente se traduz na sua capacidade de ver o ridículo do rigorismo moral, será melhor educado por meio do humor e da crítica sadia do que por força dos interditos e das obrigações, fonte, em geral, de presunção e de hipocrisia.