CORACAO HIPOTECADO

Era uma noite quente, me lembro bem. A violoncelista e seu amigo estavam com a luz acesa, e o jovem casal também. O homem em frente sentava olhando para o pátio, de pijama. Tinha uma garrafa perto da cadeira, e a levava até a boca de vez em quando. Seus pés estavam apoiados no peitoril da janela, e eu podia ver seus dedos descobertos e tortos. Depois que já tinha bebido um bocado, ele começou a falar consigo mesmo. Eu não podia escutar as palavras, elas saíam todas juntas, em uníssono, aumentando e diminuindo de tom. [...] Mas não importava o quanto eu me esforçasse, não conseguia entender nada. Olhei para sua garganta forte e seu rosto calmo, que, mesmo quando estava tenso, não perdia a aparência de sabedoria oculta. Nada aconteceu. Eu nunca soube o que ele estava dizendo. Havia apenas o sentimento de que, se sua voz estivesse um pouquinho mais alta, eu teria aprendido muito.