FINITA: DIÁRIO II

Eu leio assim este livro: Há uma casa, que abriga uma mulher, que escreve num caderno. Finita, essa mulher escreve no caderno para que não se afaste de seu corpo a linha montante que conduz à velhice. Mas essa mulher sabe que todos os tempos imagináveis estão a desenrolar-se para sempre. Infinitos. Num texto ainda por vir, vinte anos depois que os fragmentos desse livro — datados de 1974 a 1977 — se escrevessem, encontrar-me-ei com ela para receber, de suas mãos, um ramo lilás. Esta, que me oferece o ramo, já antes havia escrito em seu caderno: A terra em vida. Herdar a terra. O rosmaninho e a sálvia. Na frente da casa que abriga a mulher, há um arbusto, que florirá. É Prunus Triloba, esse arbusto textual que ainda não foi abatido, que jamais será abatido no eterno do texto. Em 16 de janeiro de 1977, essa mulher, que se sentia doente, aplicou, em seu corpo, argila, cataplasma de sílica e terra, para aplacar sua dor. Herdar a terra. A terra em vida. E delas fazer um texto. Para então escrever, com a mulher que escreve, num futuro autobiográfico: Cura e texto, trocando-se, que mais poderíamos desejar?. Eis-nos diante do fulgor intenso de um livro antigo que, referindo-se a uma mulher, chamar-se-á: Biografia. Lucia Castello Branco