BEETHOVEN

Em 1870, já um músico famoso, Wagner escreve este Beethoven, para comemorar o centenário do nascimento do compositor. A bela homenagem apresenta três ideias principais, intrinsecamente ligadas. Primeiro, expõe a filosofia wagneriana da música, evidenciando o quanto, na época, Wagner seguia Schopenhauer, filósofo para quem a música é capaz de expressar a sabedoria suprema numa linguagem incompreensível para a razão. O livro assinala a distinção entre a música e as outras artes a partir da diferença entre essência e aparência: enquanto as outras são artes da bela aparência, a música é uma arte sublime, capaz de despertar o êxtase da consciência do ilimitado. Além disso, defende, contra uma concepção formalista da música, que a melodia é a linguagem absoluta pela qual o músico fala diretamente ao coração. Segundo, relacionando Beethoven – considerado o ápice da música – a Haydn e Mozart, o livro procura esclarecer como seu gênio se desenvolveu. Situa sua atitude quanto à sonata, à ópera, à música vocal e instrumental, sempre atento à relação entre música, palavra e drama. Mas o que interessa a Wagner, sobretudo, é mostrar que Beethoven se preocupa menos em mudar a forma do que em expressar um novo mundo. O espírito de “sublime serenidade” de sua música retrata a atitude desafiadora diante da modernidade, ao revelar ao mundo exterior as exigências de seu mundo interior. Daí, em terceiro lugar, esse estudo comemorativo enaltecer a importância da música para a transformação do mundo moderno, inserindo Beethoven num movimento político-cultural existente na Alemanha desde Goethe e Schiller, principalmente. Wagner critica a moda, o gosto francês e a sociedade alemã que seguiu seus ditames sem criar o novo. E, além de defender a afirmação cultural alemã, procura, antes de tudo, mostrar que, irrompendo do caos, a música é a força artística capaz de transformar a civilização moderna. Mais especificamente, o espírito da música deve guiar o espírito alemão em busca de uma nova vida. O que aparenta Beethoven a outro escrito importante da mesma época, pois em O nascimento da tragédia, Wagner desempenha para Nietzsche o mesmo papel redentor da cultura que Beethoven tem para Wagner. Escrito numa linguagem entusiasmada, esse livro pretende, no fundo, mostrar como e por que Beethoven é um dos grandes benfeitores da humanidade.”