URBANIDADE DO SOBRADO

Os velhos sobrados de azulejos que fazem a fama de São Luis do Maranhão não se destinaram exclusivamente à habitação senhorial, como se pode pensar à primeira vista.São belos sobrados que, em lanços, recepcionam os navegantes à entrada da cidade, de seu antigo porto, na Rua do Trapiche, nome que revela a função original da arquitetura analisada neste livro.Alguns muito simples, altos blocos retangulares, quase caixas, protegendo mercadorias volumosas, constituíam apenas armazéns. Em outros casos, a função de depósito se conjugava à de habitação.Moravam ali o comerciante, sua família e também seus caixeiros. Aos primeiros se reservava a nobreza do piso imediatamente acima do térreo, com sacadas abrindo-se sobre a rua. Os segundos acomodavam-se mais acima. Em ambos os casos o que se ocupava era o espaço “sobrante” ou “sobrado” além da construção ao rés-do-chão.Pode parecer evidente que edifícios construídos na cidade sejam urbanos e, portanto, dotados de urbanidade. Maranhão, como é mais conhecido este compositor e autor, nos mostra que essa urbanidade é complexa e nos ajuda a desvendar inúmeros de seus sentidos.Para ele a urbanidade dos sobrados da Rua do Trapiche se manifesta primeiramente pelo seu caráter de conjunto urbanístico, como tipologia que se integra a seu sítio natural, à rua e todo o espaço construído no seu entorno. Manifesta-se também como herança civilizadora, advinda da antiguidade clássica reinterpretada em Portugal, expressa por elementos compositivos das edificações e decorativos das fachadas.Manifesta-se ainda no modo de uso dos edifícios pelo aporte de costumes comerciais e famílias portugueses, ou na relação hierárquica entre o espaço privado e o público, pelo balcão que se sobrepõe àrua mas que não deixa de se abrir para ela, num distanciamento e simultâneo reconhecimento dos homens livres e escravos da terra.Nesse relato somam-se ao olhar treinado do arquiteto a sensibilidade do artista e o exercício metodológico do pesquisador.