Sinopse
A poética de Jean Narciso adquire consistência maior quanto mais é abstraída de uma relação com a realidade. A imaginação, cindida da vida, é recuperada para englobar a existência no plano da representatividade, Destarte, não mais estamos diante da crítica social, do registro documental ou daliteratura que busca antecipar-se aos fatos. Em “Memórias secas de umaqualouco e outros poemas”, o poeta insere o indivíduo e a idiossincrasia na execução de um projeto interpessoal, e renova a universalidade do ser como o mais primordial dos temas e dos mitos.
Quem é o aqualouco de posse desta identidade senão o homem à espera de um reflexo, de uma referência com a qual possa seguir sem o vazio e a lacuna do esquecimento? O aqualouco tenta inaugurar um futuro sem esquecer de si, e
investe nesta empreitada sua essência. Mergulhar, pular, saltar, lançar-se: toda a ação futura depende da origem na ação pretérita. A mensagem possível: não há surgir para a eternidade fora da linha do tempo. E consagrados no tempo jazem
os brios do ego a orbitar em torno de ego. O esforço de entendimento e de compreensão passa a ser objeto de
questionamento; aqui, qualquer método interpretativo é ilusório; qualquer corrente de interpretação se anacroniza: o aqualouco vive em um mundo obscuro e sem méritos. E no hermetismo do enredo não nos é dado desvelar
todos os desígnios.