Sinopse
um ma(r)ço de lirismo cítricoAbilio Pacheco (*)Das definições de poesia que se pode ouvir numa aula deteoria da literatura, poucas amoldam os versos de Lucas Alvim.O mais comum é ouvir dizer que poesia é música, é somcarregado de sentido, que é rica em imagens, em sugestõesvisuais, que combinam palavras num corte paradigmático(aqui já me vou sendo técnico demais)... Porém, se seuouvido rejeitou amoldar os versos, prepare-se para outrosestranhamentos. Se dizemos, nós professores de literatura,que a poesia se organiza nestes processos de estranhamento,você pode ter certeza que nenhum de nós costumamos ter emmente o que faz Lucas Alvim.A organização associativa sintática de sua poesia emmomento algum coloca uma classe gramatical no lugar deoutra, mas a combinação entre verbo transitivo direto e osubstantivo que lhe é objeto constroem uma teia alógico-lógicacom a qual olhos e ouvidos de início rejeitam e repelem, maslogo tendem a aceitar. Seu lirismo é cítrico como uma laranjaazeda ou como um forte suco de limão. Após a sensação inicialruim, o paladar logo aceita a fruta. E se o gosto cítrico afogaseno esquecimento também dos versos de Lucas pouco vamosconseguir gravar. Sua poesia pode até não ser antideclamativa,mas é antimnemônica. A faculdade da memória se mostra falhanum turbilhão envolvente de associações inesperadas mas nãointeiramente recusáveis.Lendo os versos que ficaram de fora deste maço demarço e outros que o poeta vem escrevendo e publicando pelasredes sociais, não resta dúvida de uma coisa: Lucas criou umalinguagem poética que é sua, como poucos fazem tão jovens.Criou uma linguagem que para ser de fato admirada precisa seraprendida. Se assim não for, o leitor ficará como alguém queapenas olha ideogramas e acha bonitinho; se assim não for, abeleza dos versos de Lucas poderão se esvair do mesmo modocomo se escoa a beleza de bonecas de gelo diante de olharesnão educados para audácias contemporâneas.Maço de Março revela um poeta nenhum pouco obscuro,mas vertiginoso, sua linguagem aqui é casa lírica-cítrica dapalavra, de si e do leitor, sua poética é exílio do dia ou nodia, seus versos resultam de um investimento intelectual cujotamanho não temos noção, posto se apresentar sem esforço,em seus poemas nós, leitores, vamos tateando certos e firmes,e ao fim nos deparamos com o prazer de ter caminhado.Eis uma poética madura, definida e própria.(*) Professor Universitário de Literatura (UFPA-Bragança),Doutorando em Literatura (THL-IEL-UNICAMP).Escritor, editor e revisor de textos. Membro correspondente daAcademia de Letras do Sul e Sudeste ParaenseUma amostra do livro pode ser vista aqui: http://issuu.com/lucasalvim/docs/amostra__ma__o_de_mar__o