Sinopse
Quem aqui entrar buscando uma narrativa assepticamente construída, ficará sem dúvida desorientado. Este livro em nada corresponde àquela espécie de obra com propósitos literários (e extraliterários) bem planejados. Narjara é da linhagem dos indômitos, para os quais a falta de medo, somada a uma liberdade radical, esfrangalha escrúpulos de todo tipo, escrúpulos programáticos, lógicos, morais. Inútil tentar uma síntese para a odisseia de Miguel, que aqui protagoniza uma série potencialmente interminável de inesperados. Em São Paulo, em Serra Talhada, em Olinda, na Chapada dos Guimarães, sonho e realidade procriam em vísceras do mundo. Cioran exultaria com o ceticismo e a acédia dos personagens deste país de acontecimentos tragicômicos. A imagem de Dostoievski na parede de uma confeitaria em Pernambuco, mais do que um absurdo, revela uma sátira a mitificações literárias, como outras há neste livro, todas impiedosas. Antropófaga sem manifestos, Narjara destrincha o humano até sua potência extática, sua dor de estar vivo, suas paixões primárias, pois é dessa vida explosiva que suas histórias são feitas, histórias repletas de fugas, peripécias, sortilégios, com personagens físseis, metamórficos, miseráveis, personagens cuja obscenidade é coextensiva a da natureza nos termos de Werner Herzog: mistura de fornicação, asfixia, desgraça, luta por sobrevivência, assassinato. Assim que, para viajar neste livro, o leitor nada deve procurar, pois aquele que procura já está carregado de armas. Quem aqui entrar, portanto, deve entrar completamente desarmado.