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CADASTRE-SE

BONFIM

Osmar Vallin
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Sinopse
que mostra os encontros e desencontros de quatro personagens, retratando o dia a dia de suas vidas : amor, solidão, desejos e ambições, além de sua época e sua cidade, com o enredo se passando pelos bairros de Campinas.( https://www.amazon.com.br/dp/B01MXSOZHO )PRIMEIRO CAPÍTULO : Esse cachorro velho e doente do vizinho enfim morreu e muita gente ficou aliviada, o bicho chorava e latia o dia todo mal conseguindo andar, era um cão branco, peludo como um urso polar, porém com olhos carinhosos. Deixou um choro meio fantasma no silêncio da noite, que a gente imagina ouvir com certo dó do animal que se foi. Eu agora só ouço a voz de Gerson no computador. Estou cansada de conversar e vê-lo pela câmera. Não gosto deste tipo de comunicação, fica um descompasso entre o que se vê e o que se fala. Prefiro só telefonar, assim a conversa corre fluída. Hoje ele cismou de me ver de novo pelo vídeo antes do encontro amanhã. Está sempre com sua risadinha tímida e soube me atrair com sua escrita amorosa e divertida, mas quando tiver cara a cara com ele é que o bicho vai pegar. Alguns dos meus sentidos já se acostumaram com ele, e tenho uma boa ideia de que tipo de pessoa ele é. Viver é perigoso, conhecer alguém pela internet é perigoso, mas preciso ir à luta com minhas limitações e com as ferramentas que tenho. A imagem é pequena na tela, mas as feições dele estão bem nítidas. Sua voz é misteriosa e tem um tom tão sincero que dá pra desconfiar. Já nos despedimos, amanhã será o encontro aqui em Barão. Senão conseguir essa felicidade, com ele ou outro, tenho que me acostumar, inventar uma outra felicidade menos profunda e mais leve só pra ir vivendo a vida. Não que vá exigir muito dele, mas já me apaixonei, sei o que é sentir um elo com o outro, considerando-o como uma parte de mim. Só exijo isso, que ele seja uma parte de mim. Esse computador enfim desligou e não escuto mais o ruído da ventoinha barulhenta, preciso trocá-lo por algo mais moderno. Tenho vontade de falar com ele pelo telefone, mas amanhã será ao vivo e é o que interessa mesmo. Devo apagar todas as luzes e ir pra cama. O silêncio é forte e quer sumir com todos os sons da cidade, fazer desaparecer com o mundo ao meu redor de propósito pra me deixar sozinha. Nunca tive medo da escuridão, quando criança ficava esperando a vista se acostumar pra poder enxergar os contornos dos objetos surgindo lentamente. Não sei porque estou assim com Gerson, já me encontrei com outros homens pela internet. Será que é esse o homem da minha vida ? Senão a vida toda pelo menos uma fase dela... Sei que temos coisas em comum, gostos parecidos. Os opostos se atraem com certeza, mas só no começo, depois brigam. A luz do banheiro ficou acesa. Nenhum homem vai entrar no meu mundo de verdade, só estas coisinhas de amor: de beijinhos pra lá e carinhos pra cá, e sexo, e frases românticas, mas no que eu sou mesma, parece impossível, talvez depois de décadas de vida em comum haja alguma simbiose, mas também não faz a menor diferença, a gente nasce só e morre só. O que me deu de pensar estas coisas ? Essa noite é pra ter sonhos românticos e eróticos com ele, como uma bela adormecida. Meu chinelo ainda aparece na escuridão com sua pintura fosforescente, vou ter que ir ao banheiro mesmo pra apagar a luz, antes que durma. Já estou com sono, escuto o som das minhas passadas arrastadas, homens também servem pra isso, tenho que fazer tudo sozinha. Essa luz suave vinda lá do banheiro até que poderia ficar acesa se não fosse puro desperdício. Tenho que abaixar meu nível de exigências para com os homens, quando encontro alguém fico querendo que ele seja outro, meu homem ideal, do jeitinho que imagino, até que a realidade se impõe. Preciso me contentar com o que tenho, como me contento com esse banheiro com um box meio pequeno, que dificulta meus movimentos embaixo do chuveiro, não tenho que me imaginar numa banheira de hidromassagem. Tenho alguns admiradores, mas sei que nunca vou amá-los, não sou experiente o suficiente, ou sofri o suficiente, nem tenho idade ainda para abdicar do romantismo. E é melhor assim, sonhar desse jeito, do que me unir por conveniência. Esse banheiro merece uma reforma, os azulejos são antigos demais, tudo aqui tem que ser trocado, mas pedreiro dentro de casa é triste, é melhor ir levando desse jeito. O chuveiro, mesmo desligado, de vez em quando solta uns pingos grossos, deixando o chão molhado e úmido. Antes de apagar a luz Helena olha no espelho e toda sua pele tem um tom amarelo forte, reflexo dos azulejos ao redor. O dedo está no interruptor mas seu olhar não consegue escapar dela mesma, esmiuçando os contornos de seu rosto, tentando adivinhar o que Gerson verá, o que pensará quando olhar no fundo de seus olhos, se vai descobri-la e entendê-la e quem sabe até amá-la. Ou talvez só olhe seu corpo mesmo e pronto. Seu olhar tem que dizer tudo pra ele. Mas só na hora é que saberá o que vai acontecer. A luz do banheiro enfim apaga e ela espera até os objetos aparecerem como no tempo de criança, aos poucos seu rosto surge no espelho, e um olhar escondido pelas sombras ainda a fulmina. Se sente uma louca solitária, e tem até um certo prazer nisso, livre de qualquer olhar ou julgamento, só ela entre quatro paredes, no silêncio e na escuridão. A janela do banheiro dá para a área de serviço, que dá para fora do prédio, e de lá vem uma luz amarela e muito fraca dos postes de iluminação. Deixa-se ficar, preguiçosa, caçando seu olhar no espelho, sem vontade de nada, sabe que seus momentos de felicidade, dependendo do dia não resistem muito, só basta algum silêncio, alguns pensamentos perdidos sobre sua vida, e tudo pode desaguar numa melancolia fininha como um arrepio percorrendo seu corpo. Uma gota se desprende do chuveiro e cai no piso, ela abre o chuveirinho da mangueira pra escorrer toda a água que vai direto para o ralo, fazendo ruído pelos encanamentos. Talvez o vizinho de baixo agora saiba que ela está no banheiro, foi descoberta e perdeu sua espécie de invisibilidade. Na infância ou adolescência já se imaginou invisível podendo bisbilhotar a vida dos outros... se transmutando num ser invisível sem massa que pudesse atravessar paredes, ou com massa para poder interagir com os objetos quando necessário... O silêncio volta mais forte e a melancolia aumentou um pouquinho por se sentir meio louca com pensamentos malucos. Mas é pra rir, não pra chorar, se fosse invisível poderia ir na casa dele agora pra fazer uma préavaliação, e se gostasse já se amariam sem muitas delongas, na escuridão ela até poderia continuar invisível... Agora que se acostumou com o escuro volta devagar para o quarto. Eu não sei nada sobre ele, a morte é o maior dos mistérios, mas imaginar o que se passa na cabeça de alguém também é pura adivinhação, algo insondável que a psicologia tenta desvendar mas às vezes nem chega perto. O Gerson que conversei, que vi pela webcam, me é tão íntimo que será uma grande desilusão se ao vivo tudo der errado. No começo não quero pensar muito mesmo, quero que seja como nos meus sonhos. Sonhar é pra quem ama. O amor exige tempo e contratempo, são rituais do acasalamento, quem parte logo pra ação normalmente quer ficar só no sexo, mas talvez não, não sei nada. não sei o que vai acontecer, eu quero combinar com ele, nas palavras e no corpo, o momento vai dizer. É só um cara que conheci pela internet, estou feliz e meio com medo. Conheço esse apartamento como a palma de minha mão, minha cama me espera, é só esse corredorzinho no meio até lá. Quantos homens já se apaixonaram por mim ? Paixão, paixão mesmo acho que um só, e aposto que ele me ama até hoje. Se eu tivesse ficado com ele, enfim ele teria sossego e seu amor por mim talvez acabasse pra só ficar na saudade dos bons momentos, mas não dava, eu olhava pra cara dele e não sentia nada, e sabia que nunca sentiria nada, a vida é cruel, é que sei lá... E tem esse prazer perverso de se sentir indiferente ao amor do outro, tendo-o na palma de minha mão, podendo fazer dele gato e sapato, mas essa maldade não passa para fora de minha cabeça, é o que espero, e tem tantos pensamentos que não podem virar palavras, quanto mais em gestos e atitudes. Não é maldade ou inveja, são só pensamentos perfeitamente administráveis, e se faço qualquer coisa que não devia é sem querer... Gerson é minha esperança desse vazio, dessa cara inchada de vez em quando, que não é de dormir muito, mas sim de chorar um choro meio contido, pra sentir um pouco de dó da gente mesma, mas logo me recomponho, estando pronta pra tirar uma foto sorridente pra colocar na internet. No entanto esse choro é de tristeza de algo que existe, o pior mesmo é a tristeza de algo indefinido, só por estarmos vivos, sem choro e lágrimas, ficar olhando o vazio indiferente a tudo, isso sim é uma depressão. Com certeza tô precisando de homem mesmo, uma paixão arrebatadora ou sutil, tanto faz, desde que ocupe o dia a dia da minha vida. Gosto dessa luz amarela longínqua da rua se derramando suave nas paredes, tirando essa cor de branco gelo de hospital e deixando tudo mais cremoso, igual sorvete de baunilha ou como um bar em Casablanca como se vê em filmes antigos. Pena que minha vida não seja um filme, onde sempre acontece alguma coisa. Sempre valorizei mais o que acontece dentro da minha cabeça do que fora, mas tem hora que enjoa, bate um tédio, uma vontade de fazer alguma coisa, só por fazer. Quando era novinha não sabia que depois de uma certa idade não nos apaixonamos tão facilmente e que a vida pode ser muito fria e rotineira. Não sei fingir direito, meu sorriso padrão até pode enganar por pura educação, mas entre um sorriso e outro meus olhos é que me denunciam. Preciso pensar mais devagar senão não vou dormir, estou muito agitada, como se estivesse sendo bombardeada por palavras que penetram meu cérebro e me deixam em ebulição, mesmo que meu semblante esteja plácido como um lago na montanha. Sei que me acho sabichona, que sou capaz de me entender perfeitamente, porém outro poderia ver o que não vejo por algum bloqueio inconsciente, seria um território inexplorado. Mas não faz a menor diferença, nenhuma, quero sempre que meus sentimentos dominem minha lógica, um pote de emoções é o que interessa. Tô pensando tanta coisa, tanta bobagem, assim não vou dormir, tenho que criar um escudo contra pensamentos, só deixar passar os estritamente necessários para o meu metabolismo basal que me mantém viva. Certa vez, por uma desilusão amorosa, não consegui dormir a noite toda, falando baixinho, sussurrando, como uma reza, enquanto as horas passavam até que enfim chegou a madrugada, com a claridade e o som dos pássaros, que me trouxeram enfim um sono leve de pura exaustão, e logo acordei de novo pra começar o dia como se nada tivesse acontecido. Sei ser dramática quando quero, mas normalmente só quando estou sozinha. Cada um tem a felicidade que lhe convém, a minha é essa, dessas coisas miúdas, isoladas e tão tênues que quase não existem ou não existem mesmo, como agora, sou rodeada de amores imaginários, os pensamentos não podem ser presos, então tudo fica mais fácil, principalmente aqui, na escuridão, longe do mundo. Mesmo com o tempo quente é melhor usar uma coberta fininha porque de madrugada esfria, minha cama é onde estou mais longe do mundo, embaixo da coberta, só com o nariz de fora. Pra quem gosta de pensar, a solidão não é tão ruim, é algo manobrável que se administra. Mas com um parceiro a gente se distrai da gente mesma, e com ele nos sentimos como duas aves migratórias atravessando os continentes, o tempo todo sempre juntos, criando um passado pra ser contado. Queria ser mais moderna, descolada, independente, aproveitar amores e sexo sem nenhum preconceito, considerá-los tão natural como escovar os dentes, mas não, sou assim: me comparando com gansos migratórios... Talvez devesse ter um pouco mais de vaidade, de querer mostrar felicidade e sucesso. Quase todo mundo precisa disso, rechear a vida como se fosse um bolo: doce de leite misturado com nozes, ou alguma coisa muito gostosa. E só deixar pra pensar em coisas tristes quando realmente acontecerem as coisas tristes. Mas a tristeza nem sempre vem do pensamento, vem como uma febre no corpo e só nos resta esperar. O velho cão morreu mas tem um outro latindo, um latido constante, provavelmente para algum gambá, desses que andam nos fios, se segurando com suas unhas afiadas e se equilibrando usando seu rabo pelado e nojento como dos ratos. O latido pelo menos me distraiu, fez o mundo entrar aqui dentro. Preciso dormir, quando se está com sono as palavras não se juntam, as frases não se formam, mas tudo tá dentro da cabeça, numa linguagem estranha que não dá pra entender, só pra sentir. Queria que já fosse amanhã e eu já o tivesse conhecido. Espero não espantá-lo, mas vou ter que ser eu mesma, custe o que custar. Nada me distrai mais na vida que essas esperanças. E depois ? Quando estiver acostumada com alguém, quando tudo virar rotina ? Aí serei eternamente feliz e preciso parar de pensar besteira... é que é assim, não sei, esses pensamentos enquanto o sono não vem são como zumbido de pernilongo atazanando a gente. Alguma luz quase sumindo ainda resiste, mostrando os contornos de um objeto na parede, é uma máscara, meio hindu, já faz tempo que ela me acompanha com seu olhar indiferente a tudo que se passa comigo. Nunca gostei muito dela, mas quem sabe um dia possa entendê-la e me reconciliar com seu olhar superior. Agora só falta eu começar a conversar com objetos, como as bonecas da infância. Uma mulher quer se sentir segura com um homem, eu só quero que ele me ame, talvez peça muito logo de cara, mas isso é assim... algo que acontece ou não acontece, não é algo que se constrói, não pra quem sabe realmente o que é o amor. Essa máscara na parede tem hora que me dá vontade de jogar no lixo, ficar livre desse olhar indecifrável, mas ainda não fiquei louca, eu só passo muito tempo sozinha, nada demais, acontece com muita gente. O sono só virá quando eu pensar tudo que tiver que pensar, esse é o problema, a serenidade jamais existirá pra mim, essa beatitude angelical me causa estranheza, seria como viver num conto de fadas, mas eu sempre acordo. O principal é eu me entender com ele sem dizer nada, ou quase nada. Sempre gostei disso, das coisas importantes estarem subentendidas, silenciosas na troca de olhares, tão importantes que as palavras não são capazes de dizer tudo e só atrapalham. Acho que é o sono que está fazendo eu pensar nessas relações telepáticas... tem hora que é bom falar como uma matraca, dissecar a alma sem medo de más interpretações, como uma imersão numa sessão de terapia. Essa história de silêncio é perigoso, de repente o silêncio continua, a gente vai se acostumando e se isola como um bicho do mato. Dá pra ficar quase sem pensar, é só não deixar as palavras e as imagens surgirem, sentindo apenas uma confusão de sentimentos burilando na cabeça, num estado de torpor meio deslocado do mundo ao redor. Antigamente, quando era adolescente, queria um namorado divertido, que me levasse pra passear, um sujeito socialmente bem adaptado, que se dedicasse ao seu trabalho ou estudo com certo sucesso. Era muito tola, o que eu quero de Gerson agora é... nem sei, não quero nada, só sinceridade, logicamente não pode ser gordo, nem muito feio... talvez não tenha mudado muito minhas exigências, em todo caso é necessário sentir um amor incubado, com potencial pra crescer. Porque não durmo ? Normalmente a gente dorme sem perceber, então vou acreditar que dormirei subitamente daqui a pouco, como numa anestesia geral, apagarei para o mundo. Para parar de pensar tão rápido poderia pensar nos mortos, dormiria saudosa e emotiva ressuscitando o carinho e afeição por eles. É meio triste lembrar de como eles eram, a voz, a personalidade, e saber que tudo vai sumindo com o tempo, com a gente se agarrando no que sobrou. Não, vou deixar os mortos em paz, já sofri por eles no seu devido tempo. A vida se descortina na minha frente linda e maravilhosa... não é bem assim... todos temos nossos maus momentos, como agora, nessa escuridão esbranquiçada das paredes. Quero que seja o amor que traga um homem pra mim, acompanhado de sexo, mas só o sexo não, não é meu estilo, não sou do tipo que precisa de sexo pra sentir que está vivendo. Cada um é cada um, eu tenho essa vocação de olhar bem no fundo dos olhos. Lá vai eu de novo com meu romantismo xarope, por isso que não arrumo homem. Sou um animal cujo comportamento é influenciado por instintos, hormônios e acontecimentos do meu passado, por mais que tente raciocinar tem coisas que não controlo, mesmo que ache que controle... A noite tá ficando tão silenciosa como um pio de coruja. Eu agora dei de fazer auto análise, me achando um animal... não preciso ficar sem dormir, não aconteceu nada muito diferente hoje que tenha me tocado. Amanhã talvez aconteça, se for rejeitada faço uma cara de total indiferença, como se não fosse nada, agindo com educação e frieza. É orgulho ou timidez pra não mostrar meu desapontamento, isso não é bom, ficar encaixotando meus sentimentos sem eliminá-los, para depois ficar eternamente ruminando-os. Mas é só um homem que mal conheço. Agora sim parece que sinto um pouco de sono que enfim vai me livrar dos pensamentos, amanhã acordarei esquecida de tudo que pensei agora. Os sonhos também podem me perseguir, mas costumo mais me divertir com eles do que sofrer. Nem lembro mais quando tive um pesadelo. O que tem sido minha vida ? Sei lá, nem quero saber direito, sei que a maioria fica acordado de dia e de noite dorme, por isso sinto esse sono perfeitamente normal. Estou com o olho fechado, com sono, mas ainda estou agitada. A gente quer descobrir sentimentos raros no amor, explicar o que não precisa e nem tem explicação, mas quando se está junto com ele são só duas pessoas querendo interagir com a fala, com as feições e os gestos, e fica um descompasso entre os grandes sentimentos e a realidade, então não adianta ficar imaginando o que vai acontecer, e depois... de repente ele simplesmente não me acha atraente, não gostou do meu corpo, da minha bunda... aí não adianta nenhum sentimento raro e delicado no amor. Se eu ligar o rádio talvez a música me faça dormir, mas tô com preguiça de tirar o braço debaixo da coberta. Será que vou dormir sozinha amanhã ? Agora a terra vai continuar girando sobre si mesma até chegar na posição em que vou encontrá-lo. Não tô tão apaixonada assim por ele, por enquanto é um amor transiente, igual defeito de rádio que vai e volta. Mas deveria fazer um esforço, pensar no seu jeito carinhoso e sentir o amor percorrendo meu corpo, injetado no meu sangue, como essas substâncias que usam para contraste em exames de imagens. Agora o sono vem em soquinhos, até me derrubar de vez, mas não sei porque fui pensar em exames, em ressonâncias, tomografias, deve ser porque levei minha tia outro dia no Hospital, já estou sonhando acordada. Meu corpo quer dormir, o cérebro que não deixa. Minha amiga Cristina é a única que sabe sobre ele, nada como ter uma amiga para discutir as dificuldades amorosas, como duas préadolescentes. Viver tem de tudo um pouco, alguns tem mais sorte de pegar mais partes boas do que ruins. Esse lençol é muito velho, tem uns desenhos que estou acostumado a ver há muitos anos, mesmo no escuro, contra a parede branca, dá pra perceber as figuras de pássaros. Lembram garças com pernas longas e fininhas mas o resto são como aves de rapina, com uma crista enorme e asas maiores iguais de gavião. A gente envelhece mas os objetos ficam igualzinhos, então olhar pra eles é um retorno no tempo e dá até pra se enganar achando que também não mudamos. O certo seria não ser tão romântica, o cara provavelmente só tá querendo transar. Mas sou assim, quero um pedaço dele pra mim, mas não é algo que se pega, é como um patrimônio imaterial, só que o imaterial brota dele. O que se pega é fundamental também... mas é tudo junto e misturado. Preciso usar uma roupa boa pra se tirar... não é qualquer uma que serve. Acho que já decifrei o Gerson, só falta confirmar in loco. Amar é algo muito poderoso pra mim, tenho um amor profundo que está aí procurando um ser para dividi-lo, senão conseguir pelo menos tenho esse poder dentro de mim. Agora não dá mais mesmo, o sono tá vindo forte e meus olhos nem conseguem mais abrir, vou dormir como um anjo.

Categoria
Editora Amazon
ISBN-13 9788592222307
ISBN 8592222303
Edição 1 / 2016
Idioma Português
Páginas 332
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