O UNIVERSO PAROU E EU CONTINUEI RODANDO
Anna Brandao
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Sinopse
Leitor, não se engane: Anna Brandão é tatuadora.Basta olhar com atenção as marcas que ela deixa sobre o papel, basta ler a relação de corpo-a-corpo com a página em branco que, tornada pele, recebe traços finos e delicados, porém permanentes, de uma poesia que perfura, sangra e dói. Tudo isso, claro, muito bem camuflado pelas cores e paisagens de uma uma vista repleta / de cumulus. Camuflado na agulha que já não se vê espetada entre o poema e a prosa, entre a linguagem forte e frágil que mistura pronomes a fim de representar a intimidade dura do cotidiano. O resultado é um arquivo híbrido como as cores já misturadas ao sangue na tatuagem.Anna Brandão estreia seu primeiro livro de poemas, picando uma poesia falsamente jovial na qual, entre carnavais de santa teresa, desenham-se antigos medos e dores como as taxas de suicídio [que] subiram junto com o preço do feijão. São as tais coisinhas pequenas / que se perdem / pra acharmos de novo / e reacharmos / e por sua vez / achar num outro lugar / em outro estado / físico, como o tanto de areia / que um pombo carrega / no seu bico, que revelam a intensidade dos fatos pequenos, das palavras pequenas, das pequenas mortes e dos mínimos orgasmos. Dizia Derrida que uma tatuagem não é nunca a justaposição de uma coisa à outra, ou um desenho autônomo sobre a pele, mas, ao contrário, trata-se agora de uma indissociabilidade: a inscrição de um processo dolorido que torna visível-invisível o segredo. O segredo do sentido.Mas qual o segredo que se esconde na poesia de Anna Brandão? A delicadeza com que nos pica detalhes? A respiração miúda? ( - baby, essa coisa de morrer vai acabar nos matando). A organização das palavras que nunca-nunca são gritadas, nem mesmo sussurradas, mas pronunciadas em tom baixinho, quase grave, antes ainda, suave, misturando-se ao papel? Ou a palavra que, bem dita, nunca quer aparecer mais do que o silêncio? outro dia eu sonhei que escrevia o melhor poema do mundo, mas eu esqueci quando acordei, ou a cor mais bonita do mundo / é a saudade.Na verdade, eu queria ficar recortando pedacinhos dos poemas da Anna para mostrar como são bonitas e ternas as imagens que ela constrói. Acho que é porque cachorros magros me fazem morrer um pouco na leitura. Morrer de amor e de ternura. O poema que mais gosto chama mito ou mania e eu nem vou citá-lo para não estragar a surpresa de um fluxo que veio como coice.Enfim, decididamente eu não sei o segredo da poesia de Anna Brandão, mas pressinto que sempre foi uma questão de nós.Geruza Zelnys