OSTREIROS

Ostreiros é um livro de fotografias e histórias de vendedores de ostras nas praias de São Luís do Maranhão. Bruno Azevêdo e Ana Mendes percorreram as praias da Ilha no período chuvoso de 2016, caderninho pras histórias, celulares pras fotos, em busca da vida por trás dos isopores, para compor o primeiro perfil de um grupo de trabalhadores comuns na paisagem da cidade, extrativistas, comerciantes, pescadores, tirando o sustento com limão e sal ao sol do quase equador.********Quem cresceu na Ilha conhece bem a sonoridade dos pregoeiros nos bairros e a caminhada firme de ostreiros nas praias. De alguma maneira, crescer por essas bandas aciona um elemento forte de identificação com a paisagem, onde encontramos, além da imagem dos movimentos de autonomia econômica, toda uma malha de sentidos derivada da perspicácia e da imaginação popular, com sua capacidade de criar melodias, figurinos e trejeitos. Há nisso, nitidamente, uma força de fixação de imagens nômades que, vez por outra, ressoam por meio da memória, dos encontros e dos afetos.Afeto e encontro são marcas significativas na vida de quem se arrisca por ondas, areais e bares das praias. Isso porque a praia é território comum, espaço público por excelência. Mesmo com as diversas apropriações, dadas pelo crescente parcelamento e loteamento das dunas, existe uma liberdade representada pela ocupação mais despojada, mais faceira e desobediente, de difícil demolição. É para algo mais próximo da cumplicidade e do reconhecimento de certo modo de vida que este livro aponta. É a projeção do corpo que habita as bordas da Ilha. Ao trazer a indicação "Raposa, Calhau, Caolho, Olho d'Água, Araçagy", discretamente disposta com a bomba da editora Pitomba, o livro registra o próprio território de construção da narrativa, mas, essencialmente, indica para um trabalho de reconhecimento da existência de espaços amplos e abertos, espaços de sociabilidades específicas. A paisagem de sol e salitre é também uma paisagem cultural, e a inscrição toponímica encontrada na folha de rosto do livro parece querer indicar para além da imagem de espaço natural instituído no imaginário social.Ostreiros é um livro de afetos. Apesar do cuidado etnográfico, do exercício de pesquisa, o que Ana Mendes e Bruno Azevêdo realizam amplia o lugar do registro, do mapeamento das relações sociais da economia pregoeira. O que temos em mãos, em fotografias e textos, é um esforço eficiente de construção narrativa voltada para transformação de ocupantes da faixa de praia em protagonistas genuínos. O "outro" (quase sempre invisível) ganha, neste Ostreiros, interlocutores capazes de ouvir, conversar e sentir as dores e as alegrias da trajetória de vida de gente com nome e endereço. O livro transita entre o olhar apurado sobre o artesanato da venda de ostras (abordagem, conversa, negociação e a fina técnica de abrir os moluscos) até o rastreamento da história de vida, num exercício, antes de tudo, de destituição da alteridade mais agressiva, de distanciamento da força dominante da indiferença. É, por isso, um livro do "olho no olho", muito sincero, bonito e necessário.