Sinopse
Entre 260 concorrentes ao prêmio, o júri foi unânime em considerar Fios um livro de qualidades acima da média e com força suficiente para se destacar no panorama atual de nossa poesia.Elaborado em seis anos de trabalho, entre 2008 e 2014, este livro revela uma poeta no pleno domínio da sua oficina, consciente no enfrentamento do ofício e seus insistentes desafios. Segundo sua própria sugestão, são os fios do ofício de uma poesia tão nova e tão antiga em seus propósitos, muito bem situada semanticamente em seus circuitos, entranhada no conflito do seu íntimo ruminar.Estrategicamente ancorado na memória ( Resgate, Varal), frente ao trágico transe de viver ( Constatação, Roto caminho), a poeta se movimenta em espaços paralelos ou labirínticos ( Novelo, Tentativas, Duplo cozinhar), e a seu modo é pouco acomodada a fórmulas. Sua angústia seca se propõe sempre de partida / sem chegada, onde poesia é desconforto e jogo de epifanias intencionalmente trincadas. Já o poema de abertura prenuncia um andamento que em seguida é pontuado por versos e ideias recorrentes, moto-contínuo evidente também nos títulos dos poemas, entretecidos em fios de um sonho.Como um ator que abandonasse o palco-labirinto de si mesmo sem o providencial fio de Ariadne, a poeta nunca se sente em casa, nem no espaço da representação: ... só se pudesse/ encenar-encarnar Teseu/ e o real deixasse/ de ser labirinto// para tornar-se caminho. Porque nesta fria antecâmara do real, tudo começa e termina nas frestas do discurso, onde eventualmente podem as ideias e as palavras se arrastarem sem sossego no inefável do silêncio. A ânsia de tocar a superfície do real, lugar onde pudesse estar/ sabendo-se terra viva é tão fugaz quanto o gozo fraturado dos instantes, voo à procura de outro/ céu para o pouso.O tom às vezes enganosamente prosaico de alguns poemas se intensifica ainda mais na segunda seção ( arte), em diálogos com o cinema, a música, as artes plásticas e, ainda e sempre, com a poesia de outros poetas. Num céu do pensamento a poeta pulsa junto aos móbiles de Calder, aos fios e traços exatos de Francis Ponge, aos escombros de vidro e veludo de Mahler, às vidas de sólida escuridão de Goeldi, às flores de pedra de Gabriel Joaquim dos Santos. Ali onde a solidão é comum, nessa convergente artéria da melancolia que é a arte.Uma linguagem de pétalas impossíveis num pântano de arame farpado e raízes, de labirintos por entre as vigas da palavra. E a dedicatória para Donizete Galvão, em memória" ilumina certas poéticas circunvizinhas, uma vasta família espiritual da poesia brasileira moderna e suas heranças catalisadoras. Como no poema final, entre tantos outros pontos altos deste livro singular.