Sinopse
Num período inclemente como o que sucedeu à Guerra Civil de Espanha, as Casas da Misericórdia estavam muito presentes, acudindo aos mais necessitados, em especial aos órfãos. Eram instituições de extrema dureza mas, como lembra Joan Margarit, tudo à volta era ainda mais duro e, por isso, estas Casas eram abrigos modestos mas inestimáveis. Para Margarit, a poesia é como uma Casa da Misericórdia: pode não servir para muito, mas a vida seria muito pior sem o amparo dos seus versos.Joan Margarit é uma das grandes figuras da poesia catalã contemporânea.SATURNORasgaste os meus livros de poemase deitaste-os para a rua pela janela.As folhas, como estranhas borboletas,iam pairando por cima das pessoas.Não sei se agora nos entenderíamos,dois homens velhos, cansados e desiludidos.De certeza que não. Deixemo-lo assim.Tu querias devorar-me. Eu, matar-te.Seguiu-se um acaso feliz:Por sorte, choquei com a realidade.Foi aí que começou a poesia,nada fácil, sem esperanças.Eu sempre fiz como o javali,que busca e, delicado, escolhe e comeo bulbo, chamado orquis, da orquídea.BAGAGEMQuando vamos de viagem, eu e a tua mãefazemos as malas em cima da tua cama.A roupa bem dobrada, os necéssaires,os livros, bilhetes e medicamentos,espalhados mas em ordem.Todas as viagens começam aqui,neste espaçoso quarto íntimoque pintámos de um fúcsia suaveao saber que tu nunca mais voltarias.O quarto ganhou raízes que, pouco a pouco,se tornam profundas dentro da tua ausência.Fazemos as malas para um comboio nocturno.