Sinopse
O Senhor Cogito sempre desconfioudos ardis da imaginaçãodo piano no cume dos Alpesdo qual saíam notas falsasnão apreciava os labirintosas esfinges inspiravam-lhe desgostohabitava uma casa sem cavesem espelhos nem dialécticaas selvas de quadros compulsivosnão eram a sua pátriaelevava-se raramentenas asas da metáforapara cair de seguida como Ícaronos braços da Grande Mãeadorava tautologiasa explicaçãoidem per idemque o pássaro é um pássaroa servidão servidãoo cutelo um cuteloa morte morteamavao horizonte planoa linha rectaa atracção exercida pela terra2o Senhor Cogito será arrumadona categoria minoresacolherá com indiferença o vereditodos homens de letrasutilizava a imaginaçãopara outros finsqueria fazer delaum instrumento de compaixãodesejava compreender a fundo a noite de Pascal a natureza do diamante a melancolia dos profetas a cólera de Aquiles a loucura dos assassinos em massa os sonhos de maria Stuart o medo neandertaliano o desespero dos últimos Aztecas a longa agonia de Nietzsche a alegria do pintor de Lascaux a ascensão e a queda do carvalho a ascensão e a queda de Romade forma a ressuscitar os mortose a manter a aliançaa imaginação do Senhor Cogitosegue um movimento pendularpassa com precisãode sofrimento para sofrimentonão tem lugarpara fogos de artificio poéticoo Senhor Cogito quer permanecer fiela uma incerta claridadeO SENHOR COGITO E O PENSAMENTO PUROO Senhor Cogito esforça-sepor atingir o pensamento puroao menos antes de adormecermas o esforçoé o início do fracassocom efeito mal chegaa um estado onde o pensamento é como a águauma grande água purade uma praia impassívela água de repente encrespa-see a onda trazlatasmadeirauma madeixa de cabelosna verdade o Senhor Cogitonão está inteiramente imaculadonão podia arrancaro seu olho interiorda caixa de correiotinha nas narinas o odor do maros grilos acariciavam a sua orelhae debaixo do cinto sentia a mão ausenteera mediano como outrospensamentos dotadosa pele da mão tocando os braços da poltronauma ruga de sensibilidadeno rostoum diaum dia qualquerlogo que arrefeceratingirá o satorie será como aconselham os mestresvazio e surpreendenteOlhando o fascinante fervilhar de ideias que cruza a nossa sociedade em todas as direcções: politicas, económicas, culturais, ocorre-me a influência nesse movimento da experiência do Senhor Cogito:e andam em círculosà procura de um grão
não mudam de lugarporque não têm aonde irO SENHOR COGITO E O MOVIMENTO DAS IDEIASAs ideias passam pela cabeçadiz uma expressão correntea expressão correntesobrestima a circulação de ideiasa maior parte delaspermanece imóvelno meio de uma paisagem pesadade outeiros ermose árvores ressequidaspor vezes atingema corrente rápida de outro pensamentoacampam na margemsobre um só pécomo as garças famintascom tristezarecordam-se das nascentes secase andam em círculosà procura de um grãonão atravessamporque não chegariam a nenhum ladonão mudam de lugarporque não têm aonde irpermanecem empoleiradas nas pedrastorcendo as mãosdebaixo do céupesadoe baixodo crânioComo o mundo não podia ser perfeito, o Senhor Cogito tem um problema com a sua alma:abandona o seu corpo vivosem uma palavra de despedidadurante meses durante anos diverte-seem outros continentespara além dos seus limitesnão é fácil saber onde se encontranão dá notíciasmas nos dois poemas que seguem conheceremos não só a evolução do problema como o seu estado actual.A ALMA DO SENHOR COGITODiz-nos a históriaque ela abandona o corpoquando o coração pára de batercom o último suspiroparte calmamentepara as pastagens celestiaisa alma do Senhor Cogitocomporta-se de maneira diferenteabandona o seu corpo vivosem uma palavra de despedidadurante meses durante anos diverte-seem outros continentespara além dos seus limitesnão é fácil saber onde se encontranão dá notíciasevita contactosnão escreve uma cartanão se sabe quando regressarápode ser que tenha partido para sempreo Senhor Cogito quer superaros seus ciúmes primitivospensa bem da sua almapensa nela com ternuraela deve poder viverem outros corposnão há almas suficientespara toda a humanidadeo Senhor Cogito aceita o seu destinosabe que não tem alternativanem tenta dizer a minha almapensa na sua alma com afectocom uma terna solicitudee quando ela de repenteregressanão diz ainda bem que estás de voltaolha apenas através do canto do olhocomo ela se senta ao espelhoe penteia o cabelo emaranhado e cinzentoA POSIÇÃO ACTUAL DA ALMA DO SENHOR COGITOdesde há algum tempoque o Senhor Cogitotraz a almano braçoquer dizerpronta para voarcolocar a alma no braçoé uma operação delicadadeve ser feitasem pressas febrisou cenas familiaresde guerrasevacuaçõescidades sitiadasa alma gosta de assumirvarias formasagora é uma pedracrava as suas garrasno braço esquerdo do Senhor Cogitoe fica à esperapode abandonaro corpo do Senhor Cogitoenquanto ele dormeou pode partirà luz do diaem completa consciênciabreve como o assobiode um espelho quebradopor agorasenta-se no seu braçopronta para voar