O POETA NA ILHA

[...] Uma dessas grandes figuras que encontrei em Havana é Miguel Barnet. Acompanhado pelo poeta e ficcionista italiano Gaetano Longo, fui até sua casa para tomar um café. [...] A conversa entre nós três deslizava ora da poesia, ora para a política, outras vezes comentava sobre figuras conhecidas e suas produções. Depois do café tomado, ele me disse que queria me mostrar a sua coleção de santos, sua 'santería'. Seus olhos brilhavam quando foi me apresentando uma por uma as pequenas esculturas de santos de todos os tipos e origens, tanto católicas quanto de origem africana. Apontou para algumas que estavam sobre um armário e me perguntou se eu sabia qual era a procedência de uma pequena imagem de um santo em madeira. Não precisou muito para que eu a identificasse: uma escultura dos Sete povos das Missões Orientais que eu tanto vira no museu de São Miguel no Rio Grande do Sul. Foi emocionante fazer esta ligação direta com aquele momento em Havana e o distante acontecimento das reduções indígenas no meu estado natal. Aí, com sua voz suave, com os olhos brilhando, ele me disse que aquela peça fora um presente do escritor brasileiro Jorge Amado. Parecia que aquelas obras de artistas renomados, ou da cultura popular, reluziam como sua história e com o afeto com que Barnet as envolvia. Ficamos calados por alguns instantes, emocionados. Até que Barnet nos convidou para tomarmos outra taça de café. O vapor perfumado que evolava das xícaras ainda me envolve quando rememoro esse encontro no El Vedado.José Eduardo Degrazia