FLAMENGO E PURO AMOR

José Lins do Rego foi o primeiro importante autor brasileiro a escre-ver sistematicamente sobre o futebol. Antecedeu Nelson Rodrigues em al-guns anos. Estes dois grandes nomes, dois grandes apaixonados (hoje, um verdadeiro fla-flu literário, disputado com o coração), deixaram crônicas sa-borosas, delicioso painel de uma época. É isso que nos revela Flamengo é puro amor &ndash, 111 crônicas escolhidas, com seleção, introdução e notas do jornalista Marcos de Castro.Tratava-se, de fato, de um tempo encantador, com ídolos ainda &ldquo,de carne e osso&rdquo,, heróis populares, que amavam seus clubes, vestiam para va-ler as cores de seus times, alegravam torcidas Brasil afora. Honravam a tra-dição, valorizando, em particular, as camisas 7 ou 10. Mas os escritores, curiosamente, consideravam o futebol um tema menor. ZéLins, não. Estava no sangue as coisas brasileiras, manifestações populares, a compreensão da alma do povo. Era, assim, seu intérprete.Com vigor literário, guiado por uma paixão avassaladora (bem ao gosto do escritor paraibano), foi retratando um período romântico do esporte. A importância de seu pioneirismo, quando todos os grandes torciam o nariz para o futebol, só vem confirmar o talento inesgotável de ZéLins: foram a-nos a fio escrevendo no Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. De 1945 a 1957 (ano de sua morte), sob o título geral de Esporte e Vida. A coluna era diária e muito raramente ZéLins falhava, apesar de algumas interrupções. Quando foi publicada a última crônica do escritor, dia 20 de julho, ele já es-tava muito doente, hospitalizado, e não conseguia mais escrever. Teve que ditá-la ao poeta Thiago de Mello, amigo fiel. O leitor verá que essa sua últi-ma crônica é um ato de generosidade, bem ao estilo do escritor.O romancista dedica belas passagens a Zizinho, Ademir, Jair, Hele-no, Biguá, ídolos de nossas torcidas, mas também revela os bastidores dos clubes, dos dirigentes, histórias vividas fora dos gramados. Este painel é um precioso documento. Mas, documento também, são as notas de Marcos de Castro, fruto de pesquisa minuciosa, atenta, de um profundo conhecedor. E elas nos explicam não só o tempo romântico, mas o futebol de meio século atrás, os clubes, o Flamengo, o Vasco, o Fluminense, o Botafogo, a paixão, a história, um pouco do próprio Brasil e muito de um homem tão apaixonado como ZéLins. É por isso que o título da coletânea, uma frase que, com cer-teza, o escritor poderia pronunciar com o coração, com puro amor. Pelo Flamengo ele vivia, pelo Flamengo ele morria de amores.Neste sentido, o volume, além de resgatar este lado sempre lembra-do de José Lins do Rego e pouco conhecido, é uma declaração de amor ao futebol que se jogava então. Um futebol, apesar de ingênuo, romântico, dirão alguns, mas verdadeiro. Tão verdadeiro que inspirou um de nossos maiores escritores, tão verdadeiro que fará balançar as redes de nossos corações.É a isso que chamamos de gol de placa.