Sinopse
Está assentado que jamais decifraremos o mistério estético: a emoção criada pela arte. A ficção é uma fraude – nada é real, embora aspire ser. Literatura é uma narrativa inventada, no entanto, capaz de convencer e envolver o leitor pela magia usada pelo autor – magia que requer criatividade, tempo e suor. Milton ou Mallarmé buscavam a justificação de sua vida na redação de um poema ou de uma página. Ao dedicar o escasso tempo de sua existência à criação de vidas irreais, o autor revela inconsciente rejeição à vida real e ao mundo que o cerca, e o desejo oculto de substituí-las por outras imaginadas, num mundo distinto daquele em que vive. Nesse mundo criado, ele poderá realizar seu ideal de justiça, a satisfação de apetites sádicos ou masoquistas, o humano anseio de viver uma grande aventura, ou um amor impossível. Uma pessoa conformada e satisfeita com a vida e o mundo não cria ficções. No seu prólogo, Malu de Castro lembra os fantasmas de mendigo, bêbado e doida, que agitavam sua noite, perturbavam o sonho, espantavam o sono e lhe ocupavam a mente. Os temas escolhem o autor, não ele aos temas. O processo, além de autofágico, inclui a angústia da criação. O autor nutre-se de si mesmo, da própria existência, da acumulação existencial, do saber intelectual, do próprio suor e tempo. Escreve-se para sobreviver, não para se imortalizar. E num país onde a literatura nada significa para a maioria e subsiste à margem da sociedade, escrever é atividade quase clandestina. A inclinação, da infância ou adolescência, para fantasiar pessoas, situações e histórias alheias ao mundo real, tem sido interpretada como prenúncio do que, vindo ela mais tarde a escrever, se identificará como pendor literário. Conta a autora que, ao escrever sobre os seus espectros noturnos, eles se alforriaram, assumiram vida própria e deram a essa vida um rumo, ironicamente, alheio à vontade da própria autora. Sua escrita foi fruto de necessidade, mais que de decisão. Para todo autor, o ato de escrever é o melhor que lhe pode acontecer, é a melhor maneira de viver, independente dos resultados dos seus escritos. Dando o melhor de si, sente-se de bem consigo mesmo, sem a dolorosa sensação de estar desperdiçando a vida. Creio que foi o que aconteceu com Malu de Castro.
Alcione Araújo [Rio de Janeiro 12/09/2012]