ARAME FARPADO

"Lisa Alves compõe um livro de poemas dividido em seis partes: Do eu, Dos territórios, Da dominação, Da vindicta, Das contradições e Da poesia. Essas partes formam uma espécie de tratado sobre a nudez e o cárcere do homem de todos os tempos, assim como um estudo detalhado da matéria inorgânica que rodeia esse ser tão próximo à aberração. Nada foge ao olhar arguto e ácido dessa grande escritora. Não encontramos um livro propício para uma tarde de domingo, seus textos têm a densidade e o peso das madrugadas insones. A poeta, como se estivesse em um museu a céu aberto, nos conduz a uma exposição bizarra da inutilidade da condição humana, da belicosidade da vida, estamos fadados ao desespero: Acordamos cedo, analisamos os classificados: ninguém precisa de nós nenhum anúncio, nenhuma vaga. Seus poemas exibem uma existência que não conhece a beatitude de Deus, eles expõem uma vida cíclica, cansativa, repetitiva, beirando o absurdo de Camus: Reiniciei ciclos e a repetição é uma experiência absoluta nessa orbe de segunda a segunda. Um escritor só escreve se vive em um estado permanente de estranhamento, só é possível escrever no limite desse estrangeirismo, desse exílio. Quando conhecemos a obra de Lisa mergulhamos e partilhamos desse sentimento singular de ostracismo. Encontramos também um livro engajado sem que tal fato prejudique o jogo linguístico e literário. Isso me faz recordar um desabafo de Lúcio Cardoso em seu diário sobre a função de guerrilha do escritor, ele diz que mesmo na guerra, o lugar do sapateiro é fazendo sapatos e que ele é tão romancista quanto um sapateiro é fabricante de sapatos. Este livro é feito de sangue, carne, ossos e tem a resistência das pedras esfoladas pelo tempo. A autora nos ensina que a poesia clama pela verdade sem limites, ela necessita apenas de essência e autenticidade e são exatamente essas coisas que encontramos em Arame Farpado. Termino com um verso emprestado dessa magnífica obra: Experimentei todas as drogas e nenhuma me fez viajar mais do que as letras."Márcia Barbieri é paulista, mestra em Filosofia e graduada em Letras. Publicou os livros de contos Anéis de Saturno (2009) e As mãos mirradas de Deus (2011). Pela Terracota Editora publicou os romances: Mosaico de Rancores (2013) e A Puta (2014). Participou de algumas antologias e tem textos publicados nas principais revistas literárias. É uma das idealizadoras do Coletivo Púcaro.