Sinopse
Os orixás resultam das minhas próprias reflexões e aventuras do espírito no rastro de um problema que, para mim, mais do que uma questão artística ou acadêmica, é uma exigência vital. Por isto, não me preocupam somente as formas estéticas, a distribuição de volumes no espaço ou o teor das cores. De primeiríssima importância é a peripécia espiritual e cultural do afro-brasileiro: a história e os deuses da religião exilada com meus antepassados. Nessa volta às fontes originárias da arte africana, não tenciono cometer o suicídio de um regresso histórico. Não advogo a reprodução de uma forma existencial pretérita.Meus orixás estão longe de se configurarem deuses arcaicos, petrificados no tempo e no espaço do folclore ou perdidos nas estratosferas da especulação teórica de cunho acadêmico. São presenças vivas e viventes. Habitam tanto a África como o Brasil e todas as Américas, no presente, e não nos séculos mortos. Surgem na vida cotidiana e nos assuntos seculares, legados pela história e pelos ancestrais. Por isso, os orixás recebem nomes de pessoas vivas, empenham-se na defesa dos nossos heróis e mártires e engajam se no processo de resgate da identidade, da liberdade e da dignidade de nosso povo.Espero que o meu esforço criativo contribua para esse processo, representando um instrumento operativo do saber, do conhecimento, da comunicação e da revelação do povo negro ao qual pertenço e das divindades que me inspiram e me sustentam: os orixás.Entre o orum e o aiyê2 há um espaço de mistério ignorado pela vã racionalidade humana. Dele emerge minha pintura, num esforço para o resgate de algumas imagens-símbolo da trajetória sobrenatural e histórica que vem de um passado mítico para um presente e um futuro de humanidade plena. Pinto Ogum e me comunico com a divindade da justa vingança, companheiro de armas dos irmãos que lutam por liberdade e dignidade. Evoco Yemanjá, celebrando aquela que vigia a fertilidade de nossa gente,alerta contra a agressão contida em determinados controles de natalidade. Retrato Xangô, praticando a justiça, militante de todos os movimentos pela restauração dos nossos direitos fundamentais. Convoco Ossaim, cultivador das plantas medicinais, transmissor do saber farmacológico da mãe África, protetor da saúde de nossos irmãos e irmãs e da pureza do meio ambiente. Oxunmaré resume a alegria colorida e vital do nosso povo e expande a sua natureza lúdica. Oxum, doadora generosa do amor, enriquecenossas vidas com sua doçura dourada. Obatalá, em sua dualidade masculino-feminina, estrutura o ovo primal da criação e da procriação da espécie. E do além, muito além das nuvens do orum, Olorum nos observa...Axé!